Comunicação do Interventor Federal de São Paulo, Manuel Rabello, publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo, 28/11/1931, p. 1 (ver o original aqui):
“Aviso
O cidadão coronel Manuel Rabello, Interventor Federal no Estado de São Paulo, fez expedir o seguinte aviso, datado de 26 do corrente :
‘São Paulo, 26 de novembro de 1931;
Cidadão Secretário da Justiça e Segurança Pública Dr. Florivaldo Linhares.
Considerando que se não deve desconhecer o alcance social e moral da mendicidade, quando ela é dignamente exercida;
considerando que qualquer cidadão pode estender a mão à piedade, implorando a generosidade dos irmãos;
considerando que quem pede, em público, geralmente demonstra superioridade de sentimento, por ter de comprimir o orgulho e a vaidade;
considerando que a esmola beneficia tanto o coração de quem a pede como o de quem dá;
considerando que a recusa ao trabalho não é um vício peculiar às classes pobres;
considerando que a contemplação da sociedade demonstra que o maior número de vadios é formado pela burguesia;
considerando que os mendigos, vivendo da bondade alheia, são moral e socialmente úteis, enquanto são nocivos os ricos ociosos, que vivem em pleno desregramento moral sem nada produzirem;
considerando que é covardia e falta de generosidade tratar os mendigos como se entre eles, mesmo excepcionalmente se encontrassem os maiores hipócritas e os maiores exploradores;
considerando que existem exploradores em todas as classes sociais; considerando que, se há falsos mendigos, o número destes é sempre muito diminuto, e que nem assim deixam de produzir em outrem reações altruístas;
considerando que não basta a robustez, de que alguns mendigos parecem dotados, para assegurar-se que o seu aparelho cerebral seja são;
considerando, assim, que o pretender-se julgar, pela aparência, se o indivíduo necessita, ou não, de mendigar, pode induzir a grave erro;
considerando que muitas vezes o mendigo concorre, com a sua presença, para a manutenção da ordem, evitando muitos crimes;
considerando que ocultar os mendigos aos olhos dos forasteiros é querer iludir a estes quanto à anarquia social em que todos os ocidentais vivemos;
considerando que o mendigo é um programa, que desperta a atenção, mesmo dos corações mais duros, para os problemas em prol da felicidade humana;
considerando que nada nos pode mais comover do que o sofrimento alheio;
considerando que é um dever fundamental o respeito à mulher, em qualquer situação social em que se encontre;
considerando que embora, em princípio, a esmola deva ser dada, ninguém é a isso obrigado;
considerando que a dignidade da mendicidade escapa — como a de qualquer outra função proletária — à competência judiciária dos órgãos do governo e está unicamente sujeita ao juízo da opinião pública;
considerando, portanto, que violar o livre exercício público da mendicidade é um monstruoso crime de lesa-humanidade;
determino que ninguém, sob o simples pretexto de exercer a mendicidade, sofra qualquer constrangimento em sua liberdade; que, quando, por motivo insofismável de ordem, algum mendigo dever ser afastado do ponto onde se ache, a autoridade competente o faça com todo o cavalheirismo, ainda mais em se tratando de uma senhora, e, finalmente, que só se procure dar asilo aos mendigos que livremente o solicitarem.
Peço, pois, que vos digneis de tomar as providências que são necessárias para o fiel cumprimento da presente comunicação.
Saúde e Fraternidade,
Coronel Manuel Rabello,
Interventor Federal.’ “