A profunda crise econômica, política e social da Grécia não tem deixado as páginas dos jornais nos últimos meses. Recentemente a discussão passou a envolver a história do país na Segunda Guerra Mundial e o programa de recuperação econômica do pós-guerra patrocinado pelos Estados Unidos, o European Recovery Program, mais conhecido como Plano Marshall. Até uma grande companhia de seguro (alemã) já pediu por um programa de recuperação nos moldes do Plano Marshall.
Agora, um debate quente surgiu no blog Free Exchange da The Economist, a partir de um artigo no International Herald Tribune escrito por Hans-Werner Sinn, do Ifo Institute for Economic Research. Sinn argumenta no texto que o pleito por um novo Plano Marshall para a Grécia não faz sentido, primeiro porque seria contrário ao estatuto legal do Tratado de Maastricht, segundo porque premiaria um comportamento irresponsável dos gregos na gestão fiscal e, terceiro, e mais importante, porque na verdade uma assistência enormemente superior àquela dada pelo Plano Marshall à Alemanha no pós-2a Guerra (2% do PIB alemão em 4 anos) já foi concedida à Grécia nos programas do Banco Central Europeu e FMI – nada mais, nada menos do que o equivalente a 115 Planos Marshall (US$575 bilhões), dos quais 29 concedidos pela Alemanha sozinha!
A resposta veio de Albrecht Rischtl, da London School of Economics. Resumidamente, Rischtl argumenta que o principal impacto do Plano Marshall sobre as economias europeias do pós-guerra não se deveu ao volume dos recursos transferidos, medido em termos relativos aos PIBs nacionais. Muito mais importante, segundo ele, foi a implementação de um efetivo programa de alívio das restrições impostas pela escassez de divisas (= dólar) que permitiu o crescimento das importações europeias sem sacrifício da recuperação econômica (tese originalmente elaborada por Alan Milward, em The Reconstruction of Western Europe, 1945-51) e, no caso da Alemanha em particular, o cancelamento das obrigações da dívida pública interna e externa. Em um post seguinte, Rischtl estima que em 1944 a dívida pública da Alemanha somava aproximadamente 4 vezes o PIB do país no pré-guerra, em 1938. Essa dívida foi cancelada pela reforma monetária conduzida pelos EUA após a guerra. Com uma hipótese mais conservadora, o límite inferior da dívida pública cancelada representou 280% do PIB da Alemanha Ocidental em 1950 – contra os atuais 214% do PIB da Grécia. Sinn respondeu e questionou os argumentos e o uso dos dados de Rischtl em outros posts (aqui e aqui), de forma igualmente hábil.
Ainda no Free Exchange da The Economist, Nicholas Crafts entra indiretamente no debate discutindo a necessidade ou não de um “real” Plano Marshall para a Grécia. Crafts, reticente e hipoteticamente, diz-se favorável a um plano de grande alcance, alertando que as condicionalidades impostas à Grécia pelos patrocinadores exigiriam invariavelmente também grandes sacrifícios por meio de reformas estruturais similares às recomendadas pelo Banco Mundial aos países da América Latina pós-1980. Para Crafts, os resultados positivos somente se concretizariam com um significativo aumento da produtividade da economia grega que seria trazido pelas reformas estruturais. Como as reformas estruturais patrocinadas pelo Banco Mundial trouxeram melhor desempenho econômico somente em alguns poucos casos (quais?), Crafts duvida que a Grécia se qualifique enquanto um “bom candidato” para o sucesso dessas reformas. Aparentemente, também para Crafts a Grécia não é crível e dificilmente mereceria, de fato, ser contemplada com um amplo programa de recuperação.
O interessante nesse e em outros debates relacionados é que, em meio à discussão histórica e econômica, visões muito distintas têm sido reveladas não apenas sobre o tema diretamente tratado – Plano Marshall ou não? – mas também sobre a sociedade, no presente e no passado. Em alguns casos, preconceitos culturais e leituras seletivas da história têm aflorado ao tratar-se da situação grega atual. A esse respeito, um outro texto, desta vez de um historiador, Richard Clogg, é uma ótima lembrança sobre a importância da perspectiva histórica para questionar posições preconceituosas e autocondescendentes dos que estão atualmente no controle do alto poder econômico e financeiro.