Carroças e ISI

Nas avaliações das chamadas reformas estruturais da década de 1990 no Brasil, a frase que simboliza as atitudes e humores da época é a do então presidente Collor – “os carros brasileiros são verdadeiras carroças”.  Mais de 20 anos depois, a frase continua sendo utilizada para comparar a economia atual com a era da industrialização substitutiva de importações, que teve seu auge nos anos 1950-1970.

Altos preços, baixa qualidade, projetos obsoletos eram as características da indústria automobilística instalada no Brasil (absolutamente dominada por grandes empresas internacionais) que se dizia (e ainda se diz) terem sido o retrato da indústria brasileira como um todo. Na verdade, a extensão do caso da automobilística para vários  segmentos da indústria brasileira de então não é nada correta, pois indústrias como as de bens de capital, de equipamentos militares e mesmo a de auto-peças possuíam várias empresas que produziam bens de elevada qualidade e eram competitivas internacionalmente.

O mais curioso, porém, é que além dessa metáfora das carroças ter se generalizado como retrato da história da industrialização brasileira, a opinião dominante hoje é que a indústria automobilística é também um dos maiores exemplos da modernização econômica que teria sido trazida com as reformas dos anos 1990. Essa opinião se choca de forma tão direta com a realidade que é surpreendente que continue sendo repetida ou implicitamente endossada com tanta frequência em trabalhos sobre as reformas estruturais.

Bem mais atentos e pessimistas do que os acadêmicos são os jornalistas que acompanham o mercado automobilístico. A começar por Joel Leite, com sua polêmica série de artigos sobre os preços exorbitantes dos automóveis vendidos no Brasil (ver o primeiro e as sequências, aqui e aqui), em que o dito “custo Brasil” não aparece como único e talvez o maior responsável pela situação.

Agora, um órgão independente de avaliação da segurança de automóveis (Latin NCP) acaba de apresentar os resultados de seus testes de colisão, chegando a resultados que, se não surpreendem os especialistas, podem chocar os menos avisados: “Os testes da Latin NCAP evidenciam carrocerias frágeis e incapazes de aguentar fortes impactos, além de estruturas perigosas que apresentam graves riscos de lesão e até de morte a seus passageiros, especialmente a região da cabeça do motorista. ” Ver o resumo aqui e os resultados aqui.

Se vinte anos de reformas estruturais não transformaram a indústria automobilística instalada no Brasil em um exemplo de modernização econômica, eles podem ter demonstrado a importância de um outro fator, bem menos estudado pelos pesquisadores: o notável lobby das montadoras e sua íntima relação com policy makers ao longo de décadas da história recente brasileira.

2 comentários em “Carroças e ISI

  1. Eu acho que o tema dá uma nova tese. Os produtos (automóveis) que foram substituídos ao serem internalizados se adaptaram ao mercado local. Seria a “doença brasileira”?

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