Austeridade e história

Nos últimos dias, um working paper de Thomas Herndon, Michael Ash e Robert Pollin (2013) que revela a existência de sérios problemas nos resultados de um famoso artigo de Carmen Reinhart and Kenneth RogoffGrowth in a Time of Debt (2010), tem provocado uma grande polêmica na imprensa internacional e na academia – ver, p.ex., Financial Times (aquiaqui e aqui), The Economist (aqui), New York Times (aqui), The Atlantic (aqui), ou ainda “Excel Depression” de Krugman, o blog do Roosevelt Institute e o autor principal do estudo, um aluno de doutorado (BBCSalon). O caso chama a atenção para os procedimentos de pesquisa dos economistas e, ainda mais importante, para o uso de conclusões frágeis para justificar ou informar políticas econômicas que provocam grandes impactos sobre a sociedade. O trabalho de Reinhart e Rogoff vinha servindo para corroborar políticas de austeridade em várias partes do mundo e, agora que seus dados, hipóteses e resultados foram postos em xeque, as políticas de ajuste adotadas na Europa e em outros países desde a crise de 2008 também poderiam – por extensão – ser colocadas em dúvida (como já se deduziu para o caso britânico, p.ex.). Além disso, como a relação (negativa) entre dívida pública e crescimento é não-causal segundo o próprio artigo de Reinhart e Rogoff, a causalidade poderia se dar na direção de crescimento para dívida, como sugerido por Arindrajit Dube (agradeço a indicação de Gilberto Tadeu Lima). Ver também um artigo já antigo (2011) de Robert Shiller, que criticava a lógica do argumento de Reinhart e Rogoff. O mais provável, de qualquer maneira, é que a dívida pública de 90% do PIB não será mais vista como o limiar para baixo crescimento, como vinha sendo pregado nos últimos tempos.

Observar outras situações similares na história também ajuda a dimensionar as atuais políticas de austeridade indiscriminadas e a distribuição do custo do ajuste (que recai hoje, em vários países europeus, basicamente sobre assalariados e empresas não-financeiras de pequeno porte). O seguinte comentário de Robert Kuttner em uma resenha recente é ilustrativo (e, curiosamente, citando o exemplo da Alemanha, dá crédito tanto à noção de que uma elevada dívida pública não causa baixo crescimento – no período da economia nazista – quanto à ideia de que baixo endividamento público afeta positivamente o crescimento – no pós-guerra):

“Germany, today’s enforcer of Euro-austerity, was the beneficiary of one of history’s most magnanimous acts of debt amnesty in 1948. The Allies in the 1920s made the catastrophic error of helping to destroy Germany’s economy with reparations and debt collection policies. In the 1940s, after a brief flirtation with World War I–style reparations, the occupying powers agreed to behave differently: they wrote off 93 percent of the Nazi-era debt and postponed collection of other debts for nearly half a century. So Germany, whose debt-to-GDP ratio in 1939 was 675 percent, had a debt load of about 12 percent in the early 1950s—far less than that of the victorious Allies—helping to produce postwar Germany’s economic miracle. Almost every German can cite the Marshall Plan, but this larger act of macroeconomic mercy has disappeared from the political consciousness of Germany’s current austerity police. Whatever fiscal sins the Greeks committed, the Nazis did worse.”

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s